'A filha do mal', novo longa sobre o tema, estreia no Brasil em fevereiro. Subgênero chegou ao grande público depois de 'O exorcista', de 1973.
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A estreia no Brasil o longa “A filha do mal”, drama sobre uma jovem que tenta compreender o que de fato aconteceu por trás dos três assassinatos cometidos pela própria mãe durante um ritual de exorcismo. Estrelado pela atriz brasileira Fernanda Andrade, o filme transformou-se no campeão de bilheteria nos Estados Unidos arrecadando mais de 30 vezes seu orçamento.
Produções que tratam sobre possessões demoníacas e exorcismo quase sempre têm excelente retorno financeiro aos cofres dos estúdios. E, mesmo retratando assuntos polêmicos, como religião e fé, por meio de cenas fortes que, não raro, incluem palavrões cabeludos, autoflagelação e tilintar de ossos quebrados, alcançam repercussão e popularidade.
Mas o que leva tanta gente a confrontar-se com histórias tão perturbadoras e visualmente tão impactantes? “Todos esses filmes têm um apelo muito forte baseado na realidade”, diz Fernando Tostes, curador da mostra RioFan - Festival de Cinema Fantástico, que acontece anualmente desde 2007, no Rio de Janeiro. “Boa parte dessas histórias passa a impressão de que não está acontecendo só na tela. Aquilo parece ser possível na sua vida, na sua casa ou na do seu vizinho. Ninguém parece estar incólume. De alguma forma, acho que é isso que atrai mais as pessoas. Vai além do cinema.”
O flerte com a realidade também parece ser a explicação mais coerente para o repórter e crítico de cinema do jornal “O Globo”, Rodrigo Fonseca. Pare ele, o êxito destas produções está exatamente na abordagem de um acontecimento de ordem sobrenatural com uma linguagem quase documental.
"Além disso, acho que estes filmes têm uma possibilidade única da construir um herói. Ao mesmo tempo em que a figura do exorcista é uma das mais frágeis do cinema, é extremamente heróica, porque enfrenta a encarnação máxima do Mal", destaca o jornalista.
Fenômeno
Considerado a origem da linha evolutiva dos filmes de exorcismo, a produção polonesa “Madre Joana dos Anjos” já demonstrava estas tendências ainda no início dos anos 1960. O clássico de Jerzy Kawalerowicz, estrelado por Lucyna Winnicka, baseia-se no até hoje inexplicado episódio das freiras “endemoniadas” do convento de Loudun, cidade do interior da França, no século 17. Descrita posteriormente como um caso de histeria coletiva, a história inspiraria ainda um livro de Aldous Huxley e outro filme, “Os demônios”, dirigido por Ken Russell e estrelado por Oliver Reed e Vanessa Redgrave.
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Mas foi com “O exorcista”, de 1973, que o subgênero chegou ao auge da popularidade. O filme de William Friedkin aterrorizou plateias do mundo inteiro com as chocantes cenas de possessão e exorcismo da jovem Regan, interpretada por Linda Blair — Ellen Burstyn, Jason Miller e Max Von Sydow também são destaques no elenco. Foi fenômeno de bilheteria (é um dos dez filmes de maior arrecadação da história do cinema), ganhou duas estatuetas no Oscar e serviu de inspiração para outros tantos filmes com a mesma temática.
"Friedkin fez um longa quase tão seco quanto um documentário. Usou uma linguagem de filme policial, com uma câmera quase documental. E colocou um ser aparentemente mitológico, o Diabo, no meio da história. Cinematograficamente isso cria uma equação extremamente surpreendente, pelo menos até aquele momento dos anos 1970", realça Fonseca.
Para Fernando, quase 40 anos depois, o filme ainda tem apelo. “Ele não envelhece. Deixa as pessoas completamente atordoadas até hoje. É o demônio, o Mal puro encarnado, numa típica casa de subúrbio norte-americano. É preciso colocar em perspectiva o fenômeno do Friedkin para entender a popularidade adquirida pelos filmes de exorcismo ao longo das décadas.”
Críticos
Êxito nas bilheterias, os filmes de exorcismo encontram a resistência nos críticos em boa parte de seus lançamentos. Mas há exceções. "'O exorcismo de Emily Rose', para mim, é um dos melhores filmes da década passada. Tem uma premissa muito criativa, que junta o jurídico com o fantástico. Mistura 'A firma' com 'O exorcista'. É brilhante, além de ter um dos maiores duelos de atuação do cinema contemporâneo, potagonizado por Laura Linney e Tom Wilkinson. É, sem dúvida, um filme que precisa ser descoberto", ressalta Fonseca sobre a produção inspirada no caso real da alemã Anneliese Michel, morta em 1976 depois de meses de exaustivas sessões de exorcismo.
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E é por meio do inconsciente do público que o exorcismo ainda deve manter-se popular por muito tempo nos cinemas, como explica a psicóloga e psicanalista Ana Cristina Marzolla, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
"Porque você projeta no filme de horror seus próprios horrores. Temos a violência e outros sentimentos menos nobres dentro da gente, mas que precisam de expressão. Temos que lidar com o que nos causa desconforto. Para poder dar conta disso, esses sentimentos precisam ser expurgados de uma uma forma que seja aceita. É aí que entra o cinema. É o nosso lado mais animalesco e a nossa podridão que ficam espelhada nestes filmes. E isso nos deixa mais tranquilos, faz com que a gente consiga dar conta."