Superação de Vida

Fonte:Simples Vida
“Levanta, sacode a poeira e dá a volta por ciiiimaa...”, ecoa o rádio do meu carro enquanto troco as estações, tentando sintonizar alguma coisa que possa me animar em meio ao trânsito. Providencial. Largo o botão para ouvir a música e a reconheço de imediato: é “Volta por Cima”, de Paulo Vanzolini. Confesso que eu, muitas vezes, já cantarolei esse refrão sem nunca ter me concentrado muito em sua mensagem. Com o carro ali quase parado, fiquei prestando atenção: a música é um verdadeiro hino da superação. Em certo trecho, o cantor (provavelmente o Noite Ilustrada, pelo que meu senso auditivo me permitiu apurar) provoca: “Ali onde eu chorei, qualquer um chorava. Dar a volta por cima que eu dei, quero ver quem dava”.

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Recuperar-se de um tombo não é uma tarefa das mais fáceis, devemos concordar. Não é todo mundo que consegue “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima” com tanta destreza como na música do Vanzolini. Muitas vezes, quando caímos (por qualquer motivo que seja: o fim de um relacionamento, a perda de um emprego, um acidente ou até mesmo a pressão do dia-a-dia), tendemos a ficar estatelados no chão sem saber direito como levantar e seguir adiante.
Mas existem algumas pessoas que conseguem tirar de letra as dificuldades e passar pelos problemas numa boa. Mesmo quando tudo parece conspirar negativamente, estampam o sorriso no rosto e seguem em frente. Coisas horríveis acontecem a elas, mas elas estão sempre bem, obrigado. Pessoas assim são naturalmente mais preparadas para lidar com as adversidades. E parecem fazer isso com os pés nas costas.
Você também pode
Intrigados em descobrir o que levava algumas pessoas a enfrentar tão bem esses contratempos que a vida tratava de impor a elas (e a vida realmente impõe contratempos a TODO mundo, não tem jeito), especialistas em comportamento humano passaram a estudar as habilidades e os traços desses sobreviventes. Os primeiros psicólogos chegaram à conclusão de que se tratava de uma invulnerabilidade nata, algo como um verdadeiro dom com o qual essas pessoas nasciam e que não deixava que elas se abalassem com os infortúnios da vida.
Porém, há pouco mais de uma década, passou-se a questionar o termo invulnerabilidade: ele parecia sugerir que essas pessoas seriam totalmente imunes a qualquer tipo de desordem: gente 100% inabalável. E não é bem assim. “Essas pessoas conseguem reagir positivamente aos problemas, ser mais resistentes a eles, o que não significa que esse indivíduo saia da crise ileso, como implica o termo invunerabilidade”, afirma a psicóloga Maria Angela Mattar Yunes.
Os especialistas, então, passaram a buscar um conceito mais exato para definir esse comportamento e emprestaram da física um termo que tinha tudo a ver com essa característica: resiliência. A palavra pode parecer estranha, mas há tempos é usada na física para indicar a capacidade que um material tem de retornar ao seu estado original após sofrer uma grande pressão. Bingo! Tal qual um tapete felpudo que, após ser pisoteado, volta a apresentar suas fibras intactas (como se nenhum passo tivesse sido dado sobre ele), o resiliente consegue emergir mais forte de experiências desastrosas. Encara as adversidades como oportunidade de mostrar e aprimorar sua competência, seu entusiasmo, e encontra soluções criativas e determinadas para se levantar do chão.
Mas devem ser poucas as pessoas resilientes, não? Afinal, ser tão positivo e flexível assim não é para qualquer um, certo? Errado. A resiliência é um conceito ainda muito novo (apesar de indicar uma característica tão antiga quanto a própria humanidade), mas já se sabe que, apesar do número de resilientes de alto nível ser realmente pequeno (cerca de 20% da população), é possível fazer esse percentual subir. Esse é o lado bom da história e é aí que a maioria de nós entra. Afinal, todo mundo tem um grau de resiliência, por menor que seja. E podemos, sim, aprimorá-lo. Claro que algumas pessoas nascem mais aptas que outras a aceitar as adversidades, como pensaram os primeiros estudiosos, mas isso não o impede de se tornar uma pessoa mais capaz de superar os problemas com maior facilidade, numa boa. Como isso pode ser treinado é o que vamos abordar nos próximos parágrafos.
Busque seu equilíbrio
Antes é preciso entender o que faz com que uma pessoa seja resiliente. Ok, já sabemos que elas conseguem adotar uma postura sã mesmo em ambientes e situações insanas. Mas o que determina o grau de resiliência de um indivíduo? Algumas características são mais notáveis, como a curiosidade, o bom humor, a determinação, a criatividade. O que determina um resiliente é sua capacidade de ser flexível em decorrência de muitas qualidades de sua personalidade equilibrada. São tanto otimistas quanto pessimistas, sérios e alegres, lógicos e criativos, altruístas e egoístas, compassivos e indiferentes, trabalhadores e preguiçosos. “Esses pares de qualidades paradoxais são sinais de um avançado desenvolvimento emocional e flexibilidade superior”, explica Al Siebert, diretor do Resiliency Center, nos EUA, e um dos maiores pesquisadores sobre o assunto.
Eles não são de um jeito ou de outro jeito, eles são de ambos os jeitos, e é aí que mora o segredo da flexibilidade e da adaptabilidade, tão presentes nos resilientes. Eles têm a capacidade de migrar entre essas características. Porque nem sempre se resolve um problema com um raciocínio lógico, por exemplo, ou apenas com um sorriso no rosto. Muitas vezes é preciso inovar, buscar caminhos que exigem criatividade, ou até tratar um assunto com mais seriedade. Ser lógico e bem-humorado não é solução para tudo, não é mesmo? Existem situações em que ser inventivo é primordial, e aquela pessoa totalmente racional vai ter dificuldades de passar por elas. Assim como aquele cara que sempre ri de tudo. Como ele lida com uma questão mais séria?
Esse paradoxo exige uma busca de postura diferente para cada caminho. Como um carro que se movimenta sempre para a frente mas que, em alguns trajetos, precisa acessar a marcha-à-ré para sair de um beco - uma vez que continuar à frente é impossível. Da mesma forma, você pode viver sua vida sempre de maneira metódica e organizada, se essa for uma característica sua. Mas precisa ter em mente que, vez ou outra, vai ser preciso desencanar, agir com impulsividade. Ter uma tendência mais marcante não significa estar preso a ela.
Como superar
A psicoterapeuta e consultora Cláudia Riecken se especializou em estudar os comportamentos humanos e, sobretudo, em pesquisar as características dos sobreviventes. Ela entrevistou centenas de pessoas ao redor do mundo que deram a volta por cima. E garante que todos nós podemos nos tornar mais resilientes com algumas práticas estruturadas, que ela reuniu no livro SobreViver - Instinto de Vencedor. Talvez a mais primordial delas seja querer seguir em frente (veja outros passos no quadro da pág. 33). “Quando você decide não desistir, o simples fato de continuar no jogo lhe abre portas e opções inimagináveis”, diz o rabino Nilton Bonder. A verdade é que temos a impressão de que nossas capacidades - todas elas - desaparecem quando surge uma situação não prevista, turbulenta, ameaçadora. E é assim com todo mundo, acredite. Mas, após o furacão passar, é preciso reagir e colocar a casa em ordem.
Foi assim com Roberta Maria da Conceição e Severino Manuel de Souza. Moradores de uma ocupação no edifício Prestes Maia, centro de São Paulo, o casal vivia de coletar material reciclável que encontrava nos lixos da cidade. Entre jornal velho, restos de alimentos e embalagens plásticas, começaram a encontrar verdadeiras obras-primas literárias que eram descartadas com os resíduos. O primeiro que encontraram foi Machado de Assis. Depois vieram Monteiro Lobato, Jorge Amado, Eça de Queiroz. Assim, os autores foram se amontoando na carroça de Roberta e Severino. Com tantos livros encontrados, resolveram fundar uma biblioteca nos porões do Prestes Maia para as 1630 pessoas que moravam na ocupação, um verdadeiro milagre literário para uma comunidade iletrada.
Porém, os mais de 16 mil exemplares arrecadados - no lixo e por doações - testemunharam o quase fim do sonho de Severino e Roberta. Com a reintegração de posse do edifício, as 468 famílias tiveram de deixar o Prestes Maia. A biblioteca também teria de ser realocada. Severino e Roberta pensavam numa forma de transportar os livros para Itapecerica da Serra, seu novo endereço, quando tomaram conhecimento de que a retirada dos exemplares tinha sido vetada pela direção do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC). A biblioteca que eles constituíram para a comunidade do Prestes Maia seria transferida para Mauá, outra ocupação do MSTC. “Ficamos muito tristes por não podermos levar os livros e ainda por ver a biblioteca ser transferida para outra comunidade”, diz Roberta.
Mas eles não desistiram da biblioteca. Pegaram os próprios livros, doados pelas pessoas que se solidarizaram com a ação, e fundaram um novo espaço na Estrada das Piúvas, em Itapecerica. “Não vamos arredar pé dessa idéia. A gente é teimoso, não cede, não.”
Claro que você tem o direito de sofrer, chorar, ficar recluso. Ninguém tem sangue de barata e essas são formas válidas de extravasar as emoções negativas. O que não pode é ficar escravo delas. “Todas as pessoas se aborrecem e perdem o equilíbrio em uma situação de adversidade. Mas há aquelas que encontram uma forma especial de tornar os problemas mais graves ao longo do tempo”, afirma Cláudia. É necessário deixar a poeira baixar para conseguir se centrar e decidir o que fazer. O segredo é não ficar se lamuriando pelos problemas e evitar, a todo custo, enxergar-se como vítima das circunstâncias. Passar mesmo longe do fatalismo. “O problema é que, quando se porta como vítima, você se exclui do problema e não tem poder para superá-lo ou transformálo. Você fecha portas de possibilidade”, atesta o consultor empresarial e educacional Eduardo Carmello.
Mas a chave dessa história toda está no autoconhecimento. Quem se conhece muito bem sabe quais são as armas que tem para enfrentar uma determinada situação e até onde pode e consegue ir, sem ceder. Luceli Rossetti sempre foi muito confiante em si. Aos 6 meses de idade ela contraiu poliomielite, doença que provocou paralisia na perna direita. Atrás de tratamento, seus pais se mudaram de Curitiba para Campinas, onde ela foi submetida a cirurgias e tratamentos fisioterapêuticos. Os médicos, porém, não deram esperanças e disseram que ela não conseguiria voltar a andar sozinha, sem a ajuda de aparelhos. Porém o diagnóstico médico não era suficiente para ela. Só ela poderia dizer se conseguiria ou não.
Já com 7 anos, Luceli se sentia capaz de - literalmente - andar com as próprias pernas. Deixou de lado as muletas para dar seus passos sozinha. E, a partir daí, não permitiu mais que a limitação física fosse uma barreira. “Lembrome de uma ocasião em que meu pai estava me ensinando a andar de bicicleta e eu não conseguia porque não tenho força na minha perna direita. Depois de várias tentativas ele desistiu. Mas eu não”, diz. Ela então foi sozinha para um morro perto da casa onde morava e, apoiando o pé direito no pedal da bicicleta, pegava embalo com o esquerdo e tentava pedalar. Foram várias tentativas, até que uma hora ela conseguiu. “Desci a rua gritando para todos verem o que eu estava fazendo”, afirma.
Seja humilde
A história de Luceli também envolve outros passos importantes da superação: um aspecto para se restaurar e prosperar fortalecido é perder o próprio preconceito e não ter vergonha de estar por baixo. Isso implica, sobretudo, mudar a opinião emocional que tem a seu próprio respeito. “Com o passar dos anos, fui percebendo que as pessoas vêem somente o que nós queremos que elas vejam, então fui me adaptando a minha realidade”, diz Luceli. É preciso ter humildade para reconhecer que o jogo mudou e que você precisa encontrar novas maneiras para se adaptar a ele. E até buscar ajuda, se esse for o caso. As pessoas que nos cercam são importantíssimas quando deparamos com situações de difi culdade. “É preciso buscar ajuda no ‘outro’ e predispor-se a compartilhar os desafios”, afirma José Tavares, psicólogo da Universidade de Aveiro, em Portugal. Ele defende que a resiliência não deve ser apenas um atributo individual, mas estar presente nas instituições e organizações, gerando uma sociedade mais resiliente, com pessoas mais resilientes.
Os passos da superação
- OTIMISMO. Manter o bom humor é necessário nas adversidades. Recuse-se a se ver como vítima e mantenha o pensamento positivo.
- FLEXIBILIDADE. Aceite que existem altos e baixos. Jogo de cintura é imprescindível.
- LEGITIMIDADE. Procure reconhecer seu valor: você é quem melhor pode se ajudar a enfrentar os problemas - e a sair deles.
- ESTABILIDADE. Não permita que as adversidades ou os outros o invalidem: busque conhecer a natureza exata de suas falhas.
- UNIÃO. Conte com as pessoas para ajudá-lo: compartilhar ajuda a enfrentar os problemas.
- HUMILDADE. Reconheça que os problemas exigem de você uma postura diferente: é preciso aprender maneiras novas de agir perante eles.
- PERSISTÊNCIA. Tenha a certeza de que há uma solução. Não desista antes de chegar lá.
- AÇÃO. Renove suas energias e mantenha sempre a disposição: não basta querer, é preciso ter vontade e agir.
- CRIATIVIDADE. Não acredite em receitas preestabelecidas: confie em si mesmo para incrementar novas soluções.
- LIBERDADE. Livre-se dos padrões de certo e errado: busque alternativas segundo seus instintos e crenças.
- FÉ. Determine um sentido espiritual para sua vida: é ela que rege o significado de sua existência.
- AMOR. Amar é a melhor forma de ajudar aos outros: integre a adversidade a sua história, fale dela, seja solidário e sirva como exemplo.

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