Criatividade na hora de encarar os sanitários químicos

Fonte iBahia

Cada um tem sua tática para sofrer menos, desde passar perfume na camisa até prender bem a respiração.

Em Apocalipse, o apóstolo João descreve o que chama de “segunda morte”, que viria após o Juízo Final: “Aos incrédulos, aos abomináveis e aos mentirosos, o tormento e o ranger de dentes”. Certamente, João jamais usou um dos dois mil banheiros químicos no Carnaval de Salvador. Se fizesse, incluiria na sua lista de sofredores os foliões. 
São eles que, ao se aliviarem em pleno circuito, morrem não uma ou duas, mas várias vezes na mesma noite. Tanto que há os que trocariam aqueles cerca de 60 segundos de sofrimento por uma eternidade no inferno.
Se usar um banheiro químico já é sofrido, imagine entrar com toda essa indumentária

Rapaz, isso aí é fim de mundo. O que a gente fez para merecer isso?”, questiona o gestor de viagens Fábio Cunha, 27 anos, depois de se salvar do suplício de usar um dos banheiros que ficam entre as ruas Afonso Celso e Marques de Leão, na Barra. De fato. É para pagar os pegados do Carnaval inteiro.
Técnicas - Mas, há sempre os profetas da criatividade. Para esses, ir ao banheiro é um ato planejado. São estratégias para sofrer menos. “O negócio é não tocar em nada. Uso a ponta do dedo mindinho para fechar a tranca. Isso quando não tem ninguém para segurar por fora”, diz a estudante de Nutrição Ariana Silva, 20, que contou com ajuda do namorado. Existem, inclusive, técnicas para passar o menor tempo possível no cubículo.
“Desabotoa a bermuda e abre a braguilha ainda na fila. Aí puxa a porta, baixa tudo e já foi”, ensina a vendedora Carla de Souza, 30 anos. “Antes de sair de casa, coloco perfume da Boticário na parte da frente da camisa. Aí quando entro, tapo o nariz com a camisa. É de boa”, revela o pintor Adson Pires, 23. 
Mas, naquela estufa de 2m de altura por menos de 1m de largura, o melhor a fazer é não respirar. A médica carioca Patrícia Kanda, 27 anos, saiu esbaforida. Garantiu ter ficado em apneia por 54 segundos. Provavelmente chegou perto do recorde dentro de banheiro químico. “Além de não respirar, não posso olhar para nada, senão passo mal”.

Cada um tem sua tática para sofrer menos, desde passar perfume na camisa até prender bem a respiração

O problema é se você beber demais e tiver muito xixi para aliviar. Quando não der para aguentar tanto tempo sem respirar, esqueça. “Acaba sendo pior. Uma hora você tem que dar aquela puxada profunda, sabe? Banheiro químico não é de Deus não, menino”, define a atendente Jéssica França, 21 anos, na Avenida Centenário. 
Deus. Perto de banheiros químicos, seu nome é o mais proferido - e não é em vão. “Meu Deus, eu não vou entrar aí”. “Deus do céu, isso não existe”. “Deus que me perdoe, mas eu vou fazer na rua”. A última declaração, aliás, revela a opção de muitos que não têm coragem de entrar.
“Como é que não faz xixi na rua?”, pergunta Anderson Vieira, 32 anos, aliviando exatamente no espaço entre um banheiro químico e outro. “A prefeitura nos orientou a coibir quem urina na rua. Mas desse jeito fica difícil”, comentou, sem se identificar, um policial militar.
Quantidade - Agrupados em diversos pontos dos circuitos, os banheiros químicos parecem insuficientes para tanta gente. “São poucos e não têm manutenção”, afirmam usuários quase em coro. 
O fato é que não há como abrir aquelas portas sem virar o rosto ou fazer cara de nojo. “É decadente. Tá tudo sujo. O chão e as paredes também”, observa Jéssica. Há os que creem na recompensa prometida. E a prova de que eles estão certos são os banheiros que uma cervejaria disponibiliza gratuitamente em sete pontos. 
Bem maiores que os tradicionais, plotados com o vermelho do patrocinador, são limpos e têm até ar-condicionado. “Eu vim fazer xixi. Mas o negócio é tão limpo que aproveitei e fiz muito mais”, saiu dizendo, com um sorriso malicioso, um folião. 
Quanto aos “azuzinhos”, é difícil ter qualquer esperança. O jeito é enfrentar. Feche os olhos, prenda a respiração, abra a porta e, se for o caso, acredite nas escrituras. “Quem tiver perseverado até o fim é o que será salvo”,   garante outro trecho bíblico.
Banheiros são limpos apenas uma vez por dia
Mesmo com as reclamações em torno do número insuficiente de sanitários químicos e manutenção deficiente, a Limpurb avalia que tudo transcorre conforme o esperado. “Por uma questão de logística, a manutenção nos banheiros químicos é feita uma vez por dia. Nossos caminhões só podem entrar nos circuitos quando os trios param. Não há outro jeito”, afirma a presidente do órgão, Kátia Alves.
Ela explica que a limpeza dos banheiros é feita por sucção, além da aplicação de desinfetante bactericida e aromatizante. Mas, para a titular da Limpurb, a garantia de se ter um banheiro em bom estado de higiene por mais tempo é também uma questão de educação. “Principalmente as mulheres urinam no chão, fora do vaso. Só aumenta a sujeira”.
Este ano, 2 mil banheiros químicos estão espalhados pelos três circuitos. São 200 a mais que no ano passado. A Limpurb, aliás, orientou os 692 serventes de sanitários a acionar a PM nos casos em que o folião for flagrado urinando na rua. “Não pode fazer isso, é crime, é ultraje ao pudor. O poder público disponibiliza equipamentos adequados”, disse Kátia Alves antes do Carnaval.