Fonte Correio da Bahia
A festa de Iemanjá no Rio Vermelho começa ao nascer do sol, mas as
oferendas podem ser deixadas durante toda a manhã. À tarde, os balaios
são levados ao mar, enquanto, em terra, há feijoadas e apresentação de
Carlinhos Brown na rua.
A possibilidade de vivenciar um momento de fé e
reflexão à beira-mar fez Emyle Araújo, 28 anos, cruzar mais de 5 mil
quilômetros de Manaus até Salvador para estar aqui neste 2 de fevereiro,
Dia de Iemanjá. Ela conheceu e se apaixonou pela Bahia no ano passado e
decidiu que precisava estar na capital baiana em uma das festas
populares que são referência no Brasil.
“Salvador é o lugar que me representa. Em setembro,
estabeleci como meta que a próxima vinda seria em fevereiro. Então,
comecei a ler mais sobre Iemanjá e os orixás para entender melhor a
devoção desse povo”, conta Emyle.
Reconhecida
Para o escritor e pesquisador Ubaldo Marques Porto Filho, autor do livro Dois de Fevereiro no Rio Vermelho, não há uma explicação objetiva para a festa atrair tanta gente, mas ele atribui à imprensa a responsabilidade pela amplitude dos festejos.
Para o escritor e pesquisador Ubaldo Marques Porto Filho, autor do livro Dois de Fevereiro no Rio Vermelho, não há uma explicação objetiva para a festa atrair tanta gente, mas ele atribui à imprensa a responsabilidade pela amplitude dos festejos.
“Houve uma contribuição muito grande da mídia e de
artistas que perceberam a importância daquela comemoração e divulgaram
isso para o mundo”, diz. Dos seus 55 anos de festa de Iemanjá, Ubaldo
lembra das histórias de pescador e das graças alcançadas por quem já
levou alguma oferenda.
“Se algumas pessoas não tivessem respostas, a festa
não teria essa magnitude. Aquilo ali não é gratuito. Teve o dedo de
Caymmi, dos escritores, teve ajuda dos artistas, mas a religiosidade do
povo é o que mais movimenta a festa”, observa. “É um fascínio que
Iemanjá exerce sobre as pessoas”, emenda.
Foi esse fascínio que trouxe para Salvador a
advogada carioca Yanna Moreira, 27 anos. “Sempre tive muita vontade de
conhecer. Acho que esse aspecto religioso tem um impacto muito forte,
diferente do que acontece no Rio”. Yanna chegou, ontem, com um amigo e
está ansiosa para ver a chegada do presente principal de Iemanjá. “Não
quero perder um detalhe sequer. É uma mistura de manifestações muito
bonita, quero aproveitar tudo”.
Já a funcionária pública Maria Francisca Gonçalves,
62 anos, teve que esperar quase 20 anos para realizar o sonho de
conhecer a festa em Salvador. Natural de Jundiaí, Maria frequenta
anualmente a homenagem à rainha das águas realizada na cidade de Santos,
no dia 8 de dezembro.
Ela diz que Iemanjá é quem a mantém viva. “Há muitos
anos, passei por dificuldades e quase morri. O que sei é que, se não
fosse pela minha fé em Iemanjá, eu não estaria realizando esse sonho
agora”, afirma.
Maria Francisca diz ainda que a comemoração desperta
um sentimento especial. “Para mim, essa homenagem representa a vida e o
agradecimento por todas as graças que Iemanjá me concedeu”. Em Salvador
também está o professor Elson Rabelo, que saiu de Pernambuco para a
festa. Com olhar acadêmico, ele diz que veio para entender o que fez da
festa de Iemanjá uma referência. “Como eu sou professor e historiador,
já sabia que é uma referência no país, é uma festa religiosa que se
destaca em todo o Brasil”.
Estrangeiros
Não são só os brasileiros que se encantam com a festa de Salvador. Apesar de Iemanjá ser homenageada em outros países, os estrangeiros que têm a oportunidade de conhecer a festa se deslumbram. O escritor Ubaldo Filho lembra quando um grupo de angolanos classificou a festa de Salvador como a mais bonita do mundo.
Não são só os brasileiros que se encantam com a festa de Salvador. Apesar de Iemanjá ser homenageada em outros países, os estrangeiros que têm a oportunidade de conhecer a festa se deslumbram. O escritor Ubaldo Filho lembra quando um grupo de angolanos classificou a festa de Salvador como a mais bonita do mundo.
“Uma comitiva de Angola veio conhecer. Eles faziam
uma pesquisa e já tinham passado em outros países que também cultuam
Iemanjá, mas me disseram que a festa mais bonita que existe é aqui no
Rio Vermelho”, lembra.
A francesa Céline Lucile Briens, 25 anos, também
espera se encantar pela devoção a Iemanjá, hoje. Morando em Salvador há
quatro meses, até agora Céline só viu fotos e ouviu relatos de amigos
sobre a festa. “É uma das grandes festas populares daqui. Eu ouvi falar
muito e sei que envolve muita devoção do povo. Acho isso muito
especial”.
Yanna quer ver em que a celebração em Salvador é diferente do Rio
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Festa no Rio Vermelho surge após período de baixa na pescaria
Antes de atrair uma multidão ao Rio Vermelho, a homenagem a uma deusa das águas se resumia à entrega do presente de Oxum no Dique do Tororó – como acontece até hoje – e manifestações espalhadas pela cidade, como em Itapuã. No Rio Vermelho, a oferenda foi entregue no mar pelos pescadores pela primeira vez em 1924.
Antes de atrair uma multidão ao Rio Vermelho, a homenagem a uma deusa das águas se resumia à entrega do presente de Oxum no Dique do Tororó – como acontece até hoje – e manifestações espalhadas pela cidade, como em Itapuã. No Rio Vermelho, a oferenda foi entregue no mar pelos pescadores pela primeira vez em 1924.
A oferta teria sido feita por pescadores da colônia
do bairro depois de uma súbita falta de peixe, conta o pesquisador
Ubaldo Marques Porto Filho. “Os pescadores viviam reclamando e um
cliente sugeriu que eles dessem um presente. Que deveriam parar de tirar
do mar e também oferecer e agradecer a quem protegia as águas”,
explica.
Antes, o presente principal era entregue apenas
pelos pescadores depois de uma missa na Igreja de Santana. Então, eles
passaram a pedir auxílio a representantes do candomblé, para garantir
que Iemanjá ia gostar da oferenda. “A festa era diferente, havia outros
rituais, não mobilizava tantas nações do candomblé. Hoje, a festa tem
essa característica de congregar.
O dia 2 de fevereiro tem esse poder de atrair
pessoas de todos os credos, é impressionante”, diz Ubaldo. E o
antropólogo Marlon Marcos lembra que a festa não é exclusiva do orixá.
“O 2 de fevereiro não segue uma liturgia católica diretamente, apesar de
não ser coincidência este dia 2 em relação a Nossa Senhora das Candeias
e a Nossa Senhora da Purificação”, explica.
Mãe das águas é celebrada de formas diferentes mundo afora
Não é só Salvador que faz festa para a sua Rainha do Mar. Outras cidades brasileiras e do mundo também realizam suas celebrações. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a devoção a Nossa Senhora dos Navegantes reúne milhares de pessoas no litoral para agradecer à santa pelas graças alcançadas. Lá, a tradição da festa tem cerca de 40 anos.
Não é só Salvador que faz festa para a sua Rainha do Mar. Outras cidades brasileiras e do mundo também realizam suas celebrações. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a devoção a Nossa Senhora dos Navegantes reúne milhares de pessoas no litoral para agradecer à santa pelas graças alcançadas. Lá, a tradição da festa tem cerca de 40 anos.
Já na cidade gaúcha de Pelotas, a devoção à Senhora
dos Navegantes é marcada pelo encontro de umbandistas, que esperam as
embarcações chegarem no porto da cidade para carregar a imagem. Em São
Paulo e na Paraíba, a festa é no dia 8 de dezembro, quando aqui em
Salvador é celebrado o dia de Nossa Senhora da Conceição da Praia.
No Rio de Janeiro, Iemanjá é lembrada no Réveillon e
os devotos aproveitam o dia para oferecer presentes à Rainha do Mar. O
mesmo acontece em Manaus, mas a festa é restrita aos adeptos das
religiões de matriz africana, conta a jornalista Emyle Araújo. “No
Réveillon, na praia da Ponta Negra, tem uma festa de celebração a
Iemanjá, todos os terreiros se reúnem para a festa, mas é algo muito
restrito, não tem uma participação popular grande”, relata.
O culto a Iemanjá também acontece em países como
Uruguai e Portugal. Nos dois países, a celebração também acontece nas
praias no dia 2 de fevereiro. A devoção tem origem iorubá, na África,
onde o orixá é conhecido por proteger as águas doces.
“É uma deusa africana, negra, cultuada originalmente
pelos egbás, em cidades como Abeokutá (Nigéria). Sua figura sofreu
várias misturas e foi associada a diversas divindades de outras matrizes
religiosas e, portanto, se alterou, foi branqueada, amulatada,
transformou-se em indiana, em indígena, como a Iara”, explica o
antropólogo Marlon Marcos.