Os 30 anos da axé music - Salvador/Ba

Fonte: Wikipédia
A palavra "axé" é uma saudação religiosa usada no candomblé e na umbanda, que significa energia positiva. Expressão corrente no circuito musical soteropolitano, ela foi anexada à palavra em inglês music pelo jornalista Hagamenon Brito em 1987 para formar um termo que designaria pejorativamente aquela música dançante com aspirações internacionais.
Gênero que redefiniu a música pop brasileira, a axé music completa três décadas em 2015. Da gestação não planejada nos anos 1980, passando pela consagração comercial nos 1990, até a necessidade de se misturar com outros estilos para sobreviver nos anos 2000, confira os personagens, as músicas e os principais momentos desta história.Com o impulso da mídia, o axé music rapidamente se espalhou por todo o país (com a realização de carnavais fora de época, as chamadas micaretas), e fortaleceu-se como potencial mercadológico, produzindo sucessos durante todo o ano, tendo como maiores nomes Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Margareth Menezes, Asa de Águia, Chiclete com Banana, entre outrosO MARCO INICIALOs pioneiros do gênero foram os músicos da renomada banda Acordes Verdes, que acompanhava Luiz Caldas e eram músicos de estúdio da W.R, em Salvador. O principal arranjador do estúdio, na altura, era o compositor Alfredo Moura. Luiz Caldas já era um músico experiente quando gravou Fricote, para o disco Magia, em 1985. A música, que misturava ritmos afros e sintezadores, explodiu durante o Carnaval na Bahia e se alastrou rapidamente para todo o Brasil. Tocando sem parar no rádio e na TV – Caldas não saía do Cassino do Chacrinha, por exemplo –, Fricote vendeu mais de 400 mil cópias do seu LP e fundou o gênero que mudaria para sempre a música pop brasileira.
Nascido no estúdio WR, no bairro da Graça, em Salvador, com a formação de um grupo de músicos jovens que viria a substituir a banda residente, comandada por Toninho Lacerda (irmão do pianista Carlos Lacerda). O primeiro, da nova leva, a ser contratado foi o baterista Cesinha. Depois dele, o compositor, pianista, e arranjador Alfredo Moura, que na época estudava composição e regência na escola de música da UFBA, tendo como professores: Lindembergue Cardoso, Ernst Widmer, Jamary Oliveira, e Paulo Costa Lima, entre outros. Luiz Caldas veio em seguida, trazendo o percussionista Tony Mola. Carlinhos Brown foi o último, dessa leva, a entrar, tendo sido submetido a uma audição e sendo aprovado já por Alfredo Moura, na altura o principal arranjador do estúdio.
Em meados da década de 1980, Luiz Caldas e Paulinho Camafeu compuseram juntos o primeiro sucesso nacional daquela cena musical de Salvador: "Fricote (Nega do cabelo duro)", gravado por Luiz Caldas. O ritmo era o deboche, criado por Alfredo Moura e Carlinhos Brown. O arranjo inovador e de alta qualidade técnica foi marcante para que a canção (de apenas dois acordes) se tornasse um dos maiores sucessos brasileiros. A canção imediatamente tornou-se um hit e espalhou-se por todo o país, virando um marco para o axé. Com uma introdução épica, onde os teclados simulando metais eram precedidos por uma percussão dançante, a canção traduzia a necessidade de afirmação de uma geração de músicos que não queria ficar no ostracismo causado pela fuga de artistas para o eixo Rio-São Paulo. Era criado um polo criador, um centro musical poderoso, onde o estilo, concebido por Alfredo Moura, com a ajuda dos músicos da banda Acordes Verdes, principalmente o Carlinhos Brown, se tornaria referência para as próximas três gerações vindouras, colocando a música da Bahia num cenário pioneiro, dinâmico, e inovador.
Uma nova geração de estrelas aparecia para o Brasil: Banda Reflexus (do sucesso "Madagascar Olodum"), Sarajane (do clássico "A Roda"), Cid Guerreiro (do "Ilariê, gravado por Xuxa), Chiclete com Banana (que vinha de uma tradição de bandas de baile), banda Cheiro de Amor (com Márcia Freire) e Margareth Menezes (a primeira a engatilhar carreira internacional, com a bênção do líder da banda americana de rock Talking Heads, David Byrne). No início da década de 1990, o Olodum foi convidado pelo cantor e compositor americano Paul Simon para gravar participação no disco The Rhythm of The Saints e posteriormente tocou com Michael Jackson no clipe da canção "They Don't Care About Us" nas ruas do Pelourinho e outras parcerias com artistas internacionais e nacionais, que aumentaram a visibilidade do grupo.
Guinada para o frevo e pop-rock
Aquela nova música baiana avançaria mais ainda na direção do pop em 1992, quando o Araketu resolveu injetar eletrônica nos tambores, e o resultado foi o disco Araketu, gravado pelo selo inglês independente Seven Gates, e lançado apenas na Europa. No mesmo ano, Daniela Mercury lançaria O Canto da Cidade, e o Brasil se renderia de vez ao axé. Aberta a porta, vieram Asa de Águia, Banda Eva (que nasceu do Bloco Eva e revelou Ivete Sangalo), Banda Mel (que depois assinaria como Bamdamel), Banda Cheiro de Amor, Ricardo Chaves, Babado Novo (que revelou Claudia Leitte), etc. A explosão comercial do axé passou longe da unanimidade. Dorival Caymmi reprovou suas qualidades artísticas, Caetano Veloso as endossou. Das tentativas de incorporar o repertório das bandas de pop rock, nasceu a marcha-frevo, que transformou sucessos como "Eva" (Rádio Táxi) e "Me Chama" (Lobão) em mais combustível para a folia.
Enquanto o Axé music se fortalecia, alguns nomes buscavam alternativas criativas para a música baiana. O mais significativo deles foi a Timbalada, grupo de percussionistas e vocalistas liderado por Carlinhos Brown (cuja música "Meia Lua Inteira" tinha estourado na voz de Caetano Veloso em 1989), veio com a proposta de resgatar o som dos timbaus, que há muito tempo estavam restritos à percussão dos terreiros de candomblé. Paralelamente à Timbalada, Brown lançou dois discos solo – Alfagamabetizado (1996) e Omelete Man (1998), arranjados por Alfredo Moura, que com sua autoral incorporação de várias tendências do pop e da MPB à música baiana, obteve grande reconhecimento no exterior. Além disso, ele desenvolveu um trabalho social e cultural de alta relevância entre a população da comunidade carente do Candeal, em Salvador, com a criação do espaço cultural Candyall Guetho Square, o grupo de percussão Lactomia (para formar uma nova geração de instrumentistas) e a escola de música Paracatum.
O FATOR DANIELA

Empolgadas com o sucesso de Luiz Caldas, as gravadoras começaram a vasculhar a Bahia atrás de novos tilintadores de caixas registradoras. Um dos maiores acertos foi uma baiana ligada no 220 volts: Daniela Mercury. A morena de voz grave já era um sucesso no Nordeste com a música Swing da Cor, hit do seu primeiro disco, homônimo, lançado em 1991. Um ano depois, o país todo se rendia ao álbum O Canto da Cidade, cuja faixa-título foi tocada à exaustão e reforçou o poder de fogo do axé.
DANÇANDO, DANÇANDO

Até 1995, todo mundo dançava axé da maneira que achasse melhor. Mas, naquele ano, um grupo botou ordem na folia. Amparado por duas dançarinas de vestuário reduzido, o Gera Samba acrescentou uma dose de erotismo ao gênero, com coreografias criadas a partir das letras de suas músicas – que, com alguma generosidade, podem ser consideradas de duplo sentido. É o Tchan!, do disco homônimo (e que depois veio a se tornar o nome da banda), foi a primeira a ganhar coreografia, seguida de uma infinidade de outras que ensinavam o público a mexer o quadril enquanto apalpava partes do corpo. A partir dali, as coreografias virariam regra no axé.
MÚSICAS FUNDAMENTAISFricote, de Luiz Caldas, inaugurou o gênero, mas quem o tornou comercialmente viável foi O Canto da Cidade, de Daniela Mercury. Na esteira, Sarajane cavou seu lugar com A Roda, enquanto Margareth Menezes inventou o samba-reggae com o sucesso Faraó. Um dos maiores grupos afro do Brasil, o Olodum é lembrado por Requebra. Ainda na seara das bandas, destacaram-se Chiclete com Banana (Cara Caramba Sou Camaleão), Banda Beijo (Beijo na Boca), Banda Eva (Levada Louca) e Bamdamel (Prefixo de Verão).O AXÉ HOJENos anos 2000, a crise da indústria musical freou o avanço da axé music. Com medo de investir em novos artistas, as gravadoras (e, consequentemente, as rádios) passaram a focar apenas em nomes confirmados – especialmente cantoras com apelo mais pop, como Ivete Sangalo e Claudia Leitte. Gregário por natureza, o gênero começou a absorver outros estilos, como pagode, reggae e samba, e aí vieram Psirico (do hit Lepo Lepo) e Parangolé (Rebolation). O reflexo dessas mudanças pode ser conferido em sua festa maior: no Carnaval de Salvador, há anos artistas sem nenhuma ligação com o axé original, como funkeiros e sertanejos, ocupam os trios elétricos.