Linchamentos não são aleatórios e atingem mais pobres, defende pesquisadora

Fonte iBahia
Ao contrário do que aponta o senso comum, linchamentos como o que vitimou a moradora de Guarujá (SP), a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, não podem ser vistos meramente como uma ação irracional. A conclusão é da pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), Ariadne Natal, autora de tese sobre casos de justiçamentos sumários ocorridos na cidade de São Paulo e região metropolitana, entre 1980 e 2009.
“Qualquer pessoa que tenha participado do linchamento da Fabiane vai dizer que tinha certeza de que a dona de casa era o mal encarnado. Que era preciso linchá-la para expiar o mal que atribuíam a ela. Ou seja, estão equivocadas ao acreditarem fazer justiça, mas não estão agindo irracionalmente”, sustentou a pesquisadora, em entrevista à Agência Brasil.
Destacando o fato de que a defesa do uso da violência como solução para os conflitos é prática recorrente na sociedade brasileira, Ariadne Natal defende que o caso da dona de casa deve servir de exemplo. “Exemplo de que a justiça não pode ser feita sumariamente. De que cabe apenas às instituições do Estado fazer justiça. E se essas instituições não estiverem fazendo isso a contento, o que a sociedade tem que fazer é aperfeiçoá-las”.

Mulher agredida no sábado pelos moradores do bairro, após suspeita de prática de magia negra em Guarujá, morreu na manhã desta segunda-feira
Grupo espanca mulher acusada de sequestrar criança (Foto: Reprodução)













Após estudar 385 casos de linchamento que foram noticiados pela imprensa, entre 1º de janeiro de 1980 e 31 de dezembro de 2009, a pesquisadora concluiu que os participantes da ação acreditam em suas justificativas e não agem de forma aleatória, ao escolher aqueles que devem ser "justiçados".
“Não é qualquer pessoa que pode ser desumanizada e, portanto, linchada. As potenciais vítimas de linchamento carregam consigo a marca daquele que pode, em última análise, ser eliminado”, aponta Ariadne, sugerindo que pessoas com maior poder aquisitivo suspeitas de cometer crimes semelhantes ao atribuído à dona de casa agredida, na noite do último sábado (3), gozam de uma rede de proteção mais eficiente. “Tanto que é muito raro identificarmos uma vítima de classe média entre as vítimas de linchamento. E não porque não haja, entre a classe média, quem cometa crimes”.
Ela destaca que a análise das causas de justiçamentos devem levar em conta dinâmicas macrossociais, como a falta de políticas de infraestrutura e habitacionais, que podem levar moradores de determinadas áreas a buscarem mecanismos privados para a resolução dos problemas.
Fabiane morava com o marido e dois filhos no bairro de Morrinhos, localidade que concentra famílias das classes C e D, e possuía alguma espécie de transtorno mental, conforme divulgado pela imprensa. Situação comum a outros casos analisados no estudo de Ariadne Natal. “São pessoas cujas atitudes os outros têm dificuldades para compreender”, aponta a pesquisadora.
“Lógico que nada disso é explicitado. Há diferentes justificativas para os casos de linchamento ao longo do tempo”. Na década de 1980, por exemplo, as motivações dos participantes estavam mais relacionadas a crimes contra a propriedade. Já na década de 1990, houve mais casos ligados a crimes contra a vida e os costumes, como o estupro.
Além disso, a partir da década de 1990, a polícia, quando acionada, passou a atender mais rapidamente esse tipo de ocorrência, reprimindo-a. “Por isso o número de casos de linchamentos que resultaram em morte eram maiores na década de 1980”. Quando a pesquisadora defendeu sua tese, em 2013, ainda não havia informações precisas sobre a primeira década deste século. Mesmo assim, Ariadne afirma que o perfil das vítimas de linchamentos mudou pouco ao longo do tempo. Embora o número de mulheres alvos dessas ações tenha aumentado, a partir dos anos 2000, os homens jovens continuam sendo as vítimas mais recorrentes. E quase a totalidade dos casos ocorre em regiões periféricas.
“O que está relacionado ao acesso que os moradores dessas áreas têm às instituições de Estado. Não só em termo de presença, mas, principalmente, quanto à qualidade dos serviços prestados por essas instituições. A tese da ineficiência do Estado é, portanto, um dos componentes que ajudam a explicar esses crimes. Mas há também a própria dinâmica das relações sociais nesses locais, onde as pessoas se conhecem e as informações transitam com maior facilidade”.
Outro diferencial é que, hoje, os linchamentos são frequentemente filmados e exibidos na imprensa e na internet. Foi o que aconteceu no caso de Fabiane. As cenas das agressões sofridas pela dona de casa vêm chocando o país. “O linchamento é sempre um evento público com caráter de exemplaridade. Faz parte do processo de humilhar a vítima expô-la sendo agredida. Como, hoje, há sempre alguém filmando, o que no passado ficaria restrito a um contexto local ganha uma maior dimensão. Essas imagens são fortes, mas a reação de quem as vê depende muito do filtro da percepção de cada um. Há muitos que, ao verem as imagens de um garoto algemado a um poste, sentiram-se satisfeitos e acharam pouco. A diferença no caso da Fabiane é que essas mesmas pessoas se comovem ao saber que uma pessoa inocente foi morta. Se ela de fato tivesse sequestrado uma criança, a reação seria diferente. E não deveria ser, pois estranho é o linchamento”.

Mulher teria sido linchada após oferecer fruta a criança

Fonte iBahia
A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, linchada por moradores do bairro Morrinhos, em Guarujá (litoral de São Paulo), morreu depois de brincar com um menino que ela não conhecia e oferecer uma fruta para ele. É o que sustentam parentes da vítima, segundo relatos colhidos por eles com testemunhas do crime. 
Dona de casa foi morta por conta de boatos
(Foto: Reprodução)
Primo da vítima, o ajudante-geral Fabiano Santos das Neves, de 32 anos, conta que, no sábado passado, enquanto caminhava pelo bairro, Fabiane viu uma criança sozinha na rua. Além de brincar com a criança, ela teria chegado a dar uma banana para o menino - Fabiane havia feito compras instantes antes. Mas a mãe da criança viu a cena, e achou que a desconhecida seria a tal “bruxa” que assombrava a região, boato que havia sido espalhado pelo perfil do Facebook chamado “Guarujá Alerta”. 

“Acho que acharam que ela iria roubar aquela criança. Começaram a agredi-la por causa disso. Ela já não conseguiu falar mais logo depois do primeiro golpe”, conta o primo, que não testemunhou os fatos. “Acontece que ela gostava muito de crianças. Além dos filhos dela, ela cuidava de outras três crianças durante o dia, que são filhos de uma sobrinha dela. Acho que brincou com aquele menino sem pensar”, conta o primo. 

A Polícia Civil estima que até mil pessoas tenham ido até o bairro ver o linchamento. O único homem preso até o momento, o eletricista Valmir Dias Barbosa, de 47 anos, afirmou que pelo menos 100 participaram diretamente das agressões. 

O delegado Luiz Ricardo Lara Dias Júnior, do 1º Distrito Policial do Guarujá, ouviu duas testemunhas do crime nesta terça-feira, 6. Outras duas pessoas foram ouvidas na manhã desta quarta na Delegacia Seccional da cidade. A expectativa é que novas prisões sejam feitas ainda hoje. Dias Júnior, no entanto, afirmou que ainda não tem informações suficientes para dizer como que as agressões começaram. 

Bruxa
A fúria das pessoas que participaram do linchamento fez com que a bíblia que Fabiane carregava fosse visto como “um livro satânico”. “Eles falaram que era um 'livro satânico' e tentaram rasgar. Não viram que era uma bíblia. Fui eu quem tirou o livro do chão”, conta a dona de casa Carla Rosane Cunha Viana, de 47 anos, que testemunhou toda a ação. Ela aparece em um dos vídeos publicados na internet sobre o caso pedindo para as pessoas pararem com as agressões, mas sendo ignorada. 

“A bruxa estava famosa no bairro. Ela e essas histórias de sequestro de crianças. Tanto que, quando pegaram a Fabiane, todo mundo começou a espalhar isso por mensagens. Veio gente de moto, de outros bairros, todo mundo veio ver a mulher. E demorou muito, ela apanhou, foi arrastada, jogada, demorou umas duas horas. Queriam colocar fogo nela, mas a polícia chegou antes”, diz Carla Rosane.

Adolescente de 14 anos planejou assalto que matou professora, diz polícia

Fonte iBahia
Um adolescente de 14 anos planejou o assalto que terminou com a morte da professora Andréa Borges Astolpho, 43, na manhã de domingo (4), no estacionamento de uma delicatessen, na Vila Laura, de acordo com a Polícia Civil

O garoto era o mentor dos assaltos praticados na companhia de outro adolescente de 16 e de Danilo Neri dos Santos, 18. Apontado como responsável pela condução dos ladrões até o local do crime, o adolescente dirige desde os 8 anos e também é considerado um hábil piloto de fuga.
“O adolescente que dirigia o veículo foi apontado pelos comparsas como o mentor dos assaltos praticados pelo grupo e teria aprendido a dirigir aos 8 anos de idade”, afirmou o delegado Marcelo Sansão, titular da 1ª Delegacia de Homicídios (DH/Atlântico). 
Danilo foi apresentado à imprensa na manhã desta terça-feira (6), no auditório do prédio-sede da Polícia Civil, na Piedade. Em depoimento, ele confessou ter disparado o revólver calibre 38 contra a professora. 

Investigadores da 6ª Delegacia Territorial (DT/Brotas) prenderam o atirador e apreenderam os dois adolescentes na localidade Baixa do Alto do Cruzeiro, na região de Brotas, na tarde de segunda (5).
 

Danilo foi apresentado pela polícia nesta terça-feira (6) (Foto: Divulgação/Polícia Civil)
A professora, que morava em um condomínio próximo, havia ido até a delicatessen Super Panilha, na Rua Raul Leite, para comprar pão. Ela teria se assustado ao ser abordada pelos ladrões, depois de entrar em seu veículo. A delegada Maria Dail, titular da 6ª DT, informou que outras vítimas de roubo reconheceram Danilo e são aguardadas na unidade policial para prestar depoimento. Ele já tem passagens pela polícia por receptação e adulteração de veículo. 

Danilo afirmou que Andréa chegou a engrenar uma das marchas, ao perceber que seria assaltada. O filho dela, de quatro anos, estava no banco traseiro do carro e presenciou o assassinato da mãe. Após o disparo, o carro da professora seguiu sem controle por cerca de 50 metros até bater em um veículo abandonado na Rua Carlos Chenaud.  A criança não se feriu.
Segundo a diretora do Departamento de Polícia Metropolitana (Depom), delegada Maria Fernanda Porfírio, os ladrões viram a mãe acomodar a criança no banco traseiro do carro e, mesmo assim, decidiram dar voz de assalto, o que pode ter levado a vítima a tentar sair com o veículo, no intuito de proteger a criança.
FugaDanilo contou ainda que o Gol prata com o qual ele e os dois adolescentes se dirigiram até a Vila Laura havia sido roubado, na sexta-feira (2), em um supermercado na Rótula do Abacaxi. Segundo o suspeito, a intenção dos ladrões era roubar o carro de Andréa e revendê-lo, como já tinham feito com outros veículos. 
Aos perceberem que a professora havia sido baleada, Danilo e o adolescente de 16 anos fugiram correndo a pé, enquanto o Gol era levado do local do crime pelo garoto de 14 anos. A polícia ainda busca apreender o carro utilizado na ação e identificar o proprietário, bem como o revólver utilizado no assassinato. 
Danilo afirmou no depoimento que os carros são repassados por valores entre R$ 1 mil e R$ 2 mil, mas não apontou os receptadores. Ele e os dois adolescentes integravam a quadrilha liderada pelo traficante Tiago Guimarães Pinto, conhecido como Titanic, 22, que comandava o tráfico na região de Cosme de Farias, e morreu em confronto com a polícia, em fevereiro deste ano.