Fonte IBahia - Texto Nelson Cadena
Não se sabe até hoje com precissão a cronologia das origens da Festa
do Bonfim, ou culto ao Sr do Bonfim, e da lavagem das escadarias e do
adro do templo, ambas as manifestações tem circunstâncias e motivações
diferentes; Festa do Bonfim é uma coisa, Lavagem do Bonfim é outra.
Sabemos que a Festa do Bonfim se originou da romaria em torno do
culto à imagem do Sr do Bonfim que o Capitão de Mar e Guerra Theodozio
Roiz de Faria, e não Teodosio Rodrigues de Faria, como insiste a
imprensa, trouxe a imagem do santo venerado em Setubal e instituiu a
irmandade. Faria trouxe a imagem em 1745, levou-a para a Igreja da Penha
em Itapagipe, alí permaneceu nove anos até a construção da Capela do
Senhor do Bonfim.
É possível que a romaria ao Bonfim tenha começado no ano em que a
capela ficou em condições de uso (1754), mas não há provas disso. A
Colina do Bonfim era então praticamente inacessível por terra e daí os
romeiros virem na sua maioria do Recôncavo e do Sâo Francisco em
saveiros e barcos; desembarcavam em Itapagipe e seguiam a pé o resto do
percurso. Não existia iluminação elétrica e então o novenário era à luz
das fogueiras com madeira vinda do Porto da Lenha.
Em 1.804 a igreja ficou pronta de fato e o Papa Pio VI, a pedido da
irmandade, concedeu o Breve Apostólico para a celebração da festa no
segundo domingo depois da Epifania (Festa de Reis). Em 1811 o Governador
Conde dos Arcos autoriza uma Feira com barracas no local, assim
noticiou o jornal Idade D’Ouro do Brasil na sua edição de
22/01/1812, nesta que foi a primeira reportagem da imprensa sobre a
festa: “O luzimento e ordem das barracas, a abundância, e riqueza dos
gêneros, que a abasteciam, o inumerável e lustroso concurso de ambos os
sexos… Na espaçosa praça do mesmo templo pela segunda vez celebrou-se a
Feira”.
Em algum momento a festa religiosa, que já contava com uma estrutura
de barracas de apoio, ganhou participação popular. Isto é escravos,
descendentes de escravos, mulatos, gente do povo que pediam permisão
para participarem do evento, praticar os seus cânticos e danças e falar
os seus dialetos. Identificavam no Senhor do Bonfim, Oxalá, lembrança
dos ritos lustrais praticados pelos Nagós.
Este momento acontece em meados do século XIX, ou um pouco antes, e
então surgem as lavagens do adro da igreja (na quinta feira) e as danças
rituais que escandalizavam o clero e a imprensa. Há quem identifique
nestes rituais o culto a São Gonçalo que data do século XVIII e, segundo
depoimentos de época, ocorria dentro da capela original e o santo, como
o Sr do Bonfim, também era uma referência de fertilidade.
Então a festa do Bonfim (novena e romaria) e a Lavagem do Bonfim
passam a ser uma coisa só. No final do século XIX (1890) a igreja toma
uma “atitude”, o governo apoia, e a Lavagem é proibida com força
policial de plantão para impedir o acesso das “turvas pagãs” ao templo; o
povo dá um jeito e transfere a festa para segunda feira, mas essa é
outra história que fica para amanhã.
Sobre o capitão Theodozio Roiz de Faria, avaliador de fumo como
profissão, está sepultado na igreja, lá é possível conferir a grafia
correta de seu nome. Na imprensa e na internet Roiz virou Rodrigues.
Quanto à ilustração deste post, é da autoria de Kantor, o célebre
artista plástico argentino que visitou a Bahia na década de 40.