Fonte ibahia - Texto Nelson Cadena
Festa do Bonfim. A lavagem incomoda e a igreja reprime com força policial de apoio.
Carroças puxadas por burros como a da foto de Americano da Costa, em
finais da década de 40, representavam o lado profano da Lavagem do
Bonfim, o préstito da quinta feira que já incomodava a igreja e a elite
baiana desde meados do século XIX. Um cortejo que incluia cavalos e
muares enramados com folhagens de pitanga, rodas de samba e de capoeira,
batuques e muita animação.
Em 1856 o Jornal da Bahia alertava quanto ao que considerava uma
manifestação pagã: “Ontem era dia de Lavagem da Igreja do Senhor do
Bonfim, para sua festa que celebra-se o domingo próximo, e como sempre
houve no templo atos de desrespeito capaz de fazer estremecer um
herático”. Antes disso, 14 de fevereiro de 1837, o arcebispo Dom
Romualdo Antônio de Seixas, fizera duras críticas à festa, editando uma
portaria na data. E em 1860 o Imperador da Áustria, o Principe
Maximiliano relatara a Lavagem do Bonfim no seu diário de viagem como
“louca bacanal”.
Xavier Marques, o ilustre escritor, descreveu a Lavagem na década de
20 como “festa de água e alcool, aquele enorme disparate de benditos e
chulas de rezas e gargalhadas, de gestos contritos e bamboleios
impúdicos. A Venus lá exibia as suas opulências carnais e os seus
rebolados”.
O fato é que “os excessos” provocaram a hostilidade do clero e mais
tarde uma ação represora. Em 1889, através de uma portaria do arcebispo
Dom Antônio Luiz dos Santos, foi proibida a Lavagem e com o apoio do
governador Manoel Vitorino, em janeiro de 1890, a guarda civica impidiu o
acesso da população à praça da igreja. O povo ignorou a ação represora e
na segunda feira, quando a policia tinha se retirado, compareceu ao
local.
Daí por diante a igreja e o governo assumiram posições ora
conciliatórias, ora represoras, em relação à lavagem do templo. “O
aparato dava ao recinto uma atmosfera de guerra. Os policiais exigiam
que ninguem se aproximasse das grades, a igreja completamente fechada.
Pequena multidão cá fora reclamava. Mais de uma preta velha com lagrimas
nos olhos, dizendo que nunca vira isso, proibir-se o povo entrar na
casa de Deus” escreveu José Eduardo de Carvalho Filho, em 1923.
Em 1943 um aviso destacou o aspecto “pagão” da festa, mas o povo
ignorou. Em 1948 a igreja foi fechada e nem o adro foi disponibilizado
para lavagem, mesmo com a insistência de populares e alguns setores da
imprensa mais liberais. Em 1949 um cordão de isolamento impediu a
chegada do cortejo, às escadarias. E de lá para cá, outras portarias, e
ações represoras ocorreram. Mas nada disso tirou a espontaneidade do
povo baiano e a sua devoção em torno do Senhor do Bonfim, para
uns, Oxalá, para outros.