Festa de Iemanjá - Origem Rio Vermelho - Salvador/Ba

Fonte: iBahia - Texto: Nelson Cadena

Três festas se confundem nas origens da Festa de Iemanjá que os baianos celebram todo ano na enseada do Rio Vermelho, em 02 de fevereiro, em homenagem e devoção à Mãe-D’àgua, ou Rainha do Mar. São elas a procisão em louvor a Nossa Sra de Sant’Ana, o Bando Anunciador do Rio Vermelho e a Festa de Iemanjá propriamente dita. Poderíamos mencionar outra: o Bando Anunciador do Dois de Julho, festa de bairro, que os moradores do Rio Vermelho realizavam na data cívica, no século XIX. Esta, porém, sem nenhuma identidade com a festa do mar, não é o caso de relatar.
O Bando Anunciador do Rio Vermelho era, digamos assim, o lado profano da festa de Nossa Sra de Sant’Ana, cuja solene procissão acontecia no domingo. “Em plena época de veraneio, que normalmente antecedia numa semana a festa da Padroeira e em 15 dias o Carnaval. O bando consistia em um préstito montado, com cavalos emprestados do esquadrão de cavalaria da policia, que anunciava com muita música a festa de Sant’Ana”, assim descreveu a folclorista Hildergardes Vianna nas suas reminiscências da infância em “Salvador Era Assim”. E acrescenta que no largo ”se formavam rodas onde se dançava o maxixe”. A referência cronolôgica de Hildergardes é entre 1930 e 1935.


O Bando era de fato um festa pre-carnavalesca, animada, um abre alas para anunciar a festa de Sant’Ana, esta uma solene procissão realizada no domingo seguinte; os baianos vestidos com as suas melhores roupas como requeria a ocasião, aprecie na foto acima que é de 1917. Nesse dia armavam-se barracas no Largo para a venda de objetos cedidos pela comunidade, uma espécie de bazar com renda revertida para a igreja. A cada ano um  morador tomava para sim o encargo de organizar a festa, o poder público não atrapalhava na época, e assim o novo chefe tinha carta branca; recebia o bastão que representava o comando, numa solenidade animada por uma banda de música.
A Festa de Iemanjá do Rio Vermelho, já que outras lhe antecederam na cidade (no Dique, Itapagipe e também em Amoreiras, na Ilha) era a festa dos pescadores, de gente do povo e ao que tudo indica tinha alguma correspondência cronolôgica com a festa de Sant’Ana, não necessariamente um sincretismo. Durante muitos anos foi uma festa menor, serve de testemunho a foto que ilustra este post, no alto, um cartão-postal da coleção de Ewald  Hackler, 1919, que é a mais antiga referência visual existente. Revela um pequeno grupo de pessoas no embarque das oferendas para o préstito pelo mar.


Em 1930 a festa ainda não tinha grande expressão segundo o relato de J. Silva Campos sobre a pesca do xareu no Rio Vermelho: “Os pescadores também fazem ainda a festa dos presentes, em fevereiro. No corrente ano efetuaram-se, mui modestamente, na segunda quinzena do referido mês”.
Um outro testemunho de Antônio Garcia, num texto escrito em 1923 com ó título “A festa dos jangadeiros”, nos remete à tradição da Festa de Sant’Ana como uma festa do mar, também com a participação de pescadores.”Essas humildes habitações, alindavam-se para receber a visita da imagem de Sant’Ana, na vespera de sua festividade. Engendravam-se alpendres de folhagem, adaptavam-se às fachadas terrosas, toldos de velas…”
Garcia refere-se, obviamente, às velas das jangadas e relata uma romaria pelo mar, mas em nenhum momento (e sua descrição é longa e minuciosa) faz referência a oferendas, o que nos induz a pensar em duas festas distintas. “Corriam então os pescadores às jangadas, deitavam-nas sobre rolos, fincavam o mastro cujo topo se embebia em enorme ramalhete e donde partiam cordas de bandeiras, aparelhavam-nas em suma para a romaria marítima… Os músicos de oitiva, muito espigados dentro das blusas de brim pardo, bordadas a sutacho, eram distribuidos para jangadas maiores… Entre o  vozear ensurdecedor de mulatas e criolas, dava-se o sinal de partida”.
É no final da década de 40 que a Festa de Iemanjá do Rio Vermelho torna-se midiática e um atrativo turístico. Odorico Tavares, Pierre Verger, Kantor, Carybé, Jorge Amado, dentre outros, encarregaram-se de divulgar a sua mística e os seus valores ancestrais em jornais, revistas e livros. A foto de 1950, a última na sequência deste post, já identifica uma multidão. A festa de Iemanjá já tinha uma participação popular marcante.