Fonte: iBahia
Um acidente de trabalho que provocou a retirada quase total da pele da mão esquerda fez com que um homem de Eunápolis, na Bahia, ficasse 42 dias com o membro costurado à barriga para recuperar parte dos movimentos. Sócio-proprietário numa empresa de cerâmica de produção de blocos de argila, Ângelo Leopoldo Roldi, 44, teve a pele da mão arrancada quando foi tirar pedras de uma máquina de moer argila, ligada por acidente por um funcionário dele. O acidente ocorreu em 2009.
A máquina possui dois cilindros que giram, levando para dentro e moendo o que cai nela. No acidente, a mão de Ângelo foi "sugada" e a pele da mão saiu quase inteira, levando boa parte dos cinco dedos. Restou apenas uma pequena parte da palma da mão. "Se eu não estivesse apoiado com a mão direita, a máquina iria puxar meu braço todo", disse Ângelo. Na medicina, o que ocorreu com ele é chamado de "desenluvamento", já que a pele da mão foi retirada como se fosse uma luva. "Até uns números de telefone que eu tinha anotado ficou certinha na mão ainda", disse Ângelo, que relatou não ter sentido dor na hora, "apenas uma queimação".
Decisão médica
Ângelo teve parte dos movimentos da mão recuperados graças a enxerto de pele. A intervenção teve de ser feita porque não havia como reimplantar a pele retirada, pois ela estava muito suja de argila e o risco de uma infecção generalizada era muito alto. Havia pouco tempo também para que ele fosse transferido para outro local com melhor capacidade de atendimento; em oito horas, se nada tivesse sido feito, a única solução era uma amputação do membro. Ângelo foi operado no Hospital Regional de Eunápolis (municipal), onde permaneceu por 60 dias. A equipe médica que o atendeu entrou em contato com o cirurgião plástico Leonardo Canhestro, de Belo Horizonte (MG). Após ver as fotos de Ângelo, Canhestro orientou o médico Hugo Serrano, por telefone, a costurar a mão do paciente dentro da barriga. "Nestes casos, normalmente, a indicação é de amputação no meio do antebraço [entre o cotovelo e o punho]. Esta cirurgia foi idealizada em menos de 1 hora", disse o médico Leonardo Canhestro, que acompanhou Ângelo na recuperação junto com Hugo Serrano.
Recuperação
Após a cirurgia, Ângelo teve de ficar por 42 dias com a mão costurada à barriga, cuja pele daria novo formato à mão. Durante esse período, ele ia sofrendo cortes no abdômen para a mão não se adaptar com a irrigação de sangue oriunda da barriga, já que o correto é o sangue que circula pela mão chegar pelas veias do braço.A maior dificuldade dessa época, diz ele, era para dormir, sempre de barriga pra cima, e depois ter de ficar com um braço pendurado também para o alto. "Eu dormia por causa do cansaço. [...] Na época, só me alimentava de sopa. Eu passei por uma anemia muito profunda, tive de tomar uns remédios por isso também", disse.Após a retirada da mão da barriga, os médicos terminaram de encobrí-la, costurando-a. E para cobrir o espaço da barriga que foi para a mão, foi esticada a pele localizada pouco abaixo do peitoral e costurada no "pé da barriga". "Eu fiquei corcunda por uns dias, mas depois a pele foi esticando e fiquei normal", disse Ângelo, que só foi ver a mão depois de 80 dias do acidente, ocorrido em 22 de janeiro de 2009. "Chorei muito quando vi minha mão", disse.
O caso "é excepcional no Brasil", segundo o médico cirurgião plástico e um dos principais especialistas em mão do país, Luiz Mário Bonfatti, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. "Eu mesmo só vi casos no Brasil de desenluvamento parcial, com perda de dois a três dedos, nunca os cinco", disse.Sobre o procedimento realizado em Ângelo, ele disse que ""é muito trabalhoso para ocorrer a recuperação, da forma como foi feita, mas é possível".
Hoje, Ângelo trabalha com a extração de argila, dirigindo uma retroescavadeira. "Prefiro trabalhar no meio do mato, coletando argila para a cerâmica. Desde o acidente, não consigo mais trabalhar com gente, ficou um trauma que não sei explicar direito", disse.