Fonte G1
“Cerca de 1,5 bilhão de homens, mulheres e crianças, de todos os lugares do mundo, exibem sobrepeso hoje; mais de 500 milhões são obesos”. “Dos 42 milhões de menores de cinco anos que apresentam sobrepeso no mundo, 35 milhões (83%) vivem em países com esse perfil, explica a Organização Mundial da Saúde (OMS)”.
“Um brasileiro hoje, segundo o IBGE, consome em média mais que o dobro dos 5 gramas de sal recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”.“No Brasil, 56,9% das pessoas com mais de 18 anos estão com excesso de peso e 20,8% são classificadas como obesas, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística”.
Os dados acima eu retirei do artigo publicado na última semana no jornal “Valor Econômico” pelo diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), José Graziano. Assustado, legitimamente, com o aumento crescente da obesidade no mundo, Graziano escreve sobre seu assombro: um país que já conseguiu sair do mapa mundial da fome, agora trava uma batalha com outra dimensão importante da segurança alimentar e nutricional: o aumento de peso. “A dieta saudável como política pública é a nova fronteira da segurança alimentar no mundo. Não se pode mais falar em direito humano à alimentação adequada sem incluir dimensão fundamental do binômio saúde e nutrição. Como referência mundial no combate à fome, o Brasil não só reúne condições de incorporar esse novo horizonte, como também de inspira”, escreve Graziano.
Faz sentido a providência que está sendo tomada: uma tentativa de trazer o setor privado de alimentos para a mesa de debates e a primeira coisa está sendo o pedido de diminuição do sal nos processados. Há também, como se sabe, muito açúcar e muitos outros elementos que não significam saúde, mas pode parecer que sim aos olhares desavisados.
No mesmo dia 4, o britânico “The Guardian” publicou reportagem mostrando que a França é o primeiro país a proibir que supermercados joguem fora ou destruam alimentos não vendidos. O Senado daquele país aprovou com unanimidade essa lei que vai fazer chegar milhões de refeições aos mais pobres. O vereador que iniciou a campanha, em cima de um projeto de lei aprovado em dezembro pela Assembleia chama-se Arash Derambarsh e aparece na sua rede social segurando, com ar vitorioso, uma espécie de cartilha com o “Manual contra o Desperdício”. Também se considerando vitoriosos, os ativistas de causas socioambientais estão agora, mais do que nunca, ansiosos para que a legislação seja adotada por todos os estados membros da União Europeia.
A outra parte dessa notícia revela a assustadora prática de supermercados franceses (será que só lá?) de estragarem deliberadamente alimentos que estão no prazo de validade para evitar que um número crescente de famílias, estudantes e sem-teto façam uso deles. Não me perguntem por que os vendedores de alimentos agem dessa maneira, eu não sei. Mas tenho a impressão de que argumentariam, caso fossem interpelados, que jogam fora para evitar que, ao comer, uma pessoa seja intoxicada com o produto velho.
Os dados acima eu retirei do artigo publicado na última semana no jornal “Valor Econômico” pelo diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), José Graziano. Assustado, legitimamente, com o aumento crescente da obesidade no mundo, Graziano escreve sobre seu assombro: um país que já conseguiu sair do mapa mundial da fome, agora trava uma batalha com outra dimensão importante da segurança alimentar e nutricional: o aumento de peso. “A dieta saudável como política pública é a nova fronteira da segurança alimentar no mundo. Não se pode mais falar em direito humano à alimentação adequada sem incluir dimensão fundamental do binômio saúde e nutrição. Como referência mundial no combate à fome, o Brasil não só reúne condições de incorporar esse novo horizonte, como também de inspira”, escreve Graziano.
Faz sentido a providência que está sendo tomada: uma tentativa de trazer o setor privado de alimentos para a mesa de debates e a primeira coisa está sendo o pedido de diminuição do sal nos processados. Há também, como se sabe, muito açúcar e muitos outros elementos que não significam saúde, mas pode parecer que sim aos olhares desavisados.
No mesmo dia 4, o britânico “The Guardian” publicou reportagem mostrando que a França é o primeiro país a proibir que supermercados joguem fora ou destruam alimentos não vendidos. O Senado daquele país aprovou com unanimidade essa lei que vai fazer chegar milhões de refeições aos mais pobres. O vereador que iniciou a campanha, em cima de um projeto de lei aprovado em dezembro pela Assembleia chama-se Arash Derambarsh e aparece na sua rede social segurando, com ar vitorioso, uma espécie de cartilha com o “Manual contra o Desperdício”. Também se considerando vitoriosos, os ativistas de causas socioambientais estão agora, mais do que nunca, ansiosos para que a legislação seja adotada por todos os estados membros da União Europeia.
A outra parte dessa notícia revela a assustadora prática de supermercados franceses (será que só lá?) de estragarem deliberadamente alimentos que estão no prazo de validade para evitar que um número crescente de famílias, estudantes e sem-teto façam uso deles. Não me perguntem por que os vendedores de alimentos agem dessa maneira, eu não sei. Mas tenho a impressão de que argumentariam, caso fossem interpelados, que jogam fora para evitar que, ao comer, uma pessoa seja intoxicada com o produto velho.
De qualquer maneira, agora a comida extra, velha ou não, vai toda para instituições de caridade. A França, segundo apurou a reportagem do jornal britânico, sofre com déficit de carne, frutas e legumes para os mais pobres. E, desde que o Senado tornou a doação obrigatória, os bancos de alimentos já receberam cem mil toneladas de bens, dos quais 35 mil vieram dos supermercados. A ideia é promover que essa doação seja feita homem a homem para provocar o contato humano.
Duas notícias que falam sobre a pobreza, sobre a indigência e privações em lugares tão diferenciados do planeta me levam a refletir, como não podia deixar de ser. O geógrafo Milton Santos, que pautou grande parte de seu trabalho em estudos sobre países em desenvolvimento (ele morreu em 2001), no último livro que escreveu, “Por uma outra globalização” (Ed. Record) ajuda a destrinchar o fenômeno que me chamou a atenção. Há, hoje, uma pobreza que não é acidental, residual ou sazonal, mas estrutural. Na visão dele, se equivale a uma dívida social.“Ela é estrutural e não mais local, nem mesmo nacional: torna-se globalizada, presente em toda parte no mundo. Há uma disseminação planetária e uma produção globalizada da pobreza, anda que esteja mais presente nos países já pobres”, escreve ele.
Mas é também uma doença da civilização, cuja produção acompanha o próprio processo econômico. Agora, segundo Santos, o consumo se impõe como um dado importante, pois “constitui o centro da explicação das diferenças e da percepção das situações”. “Ampliam-se, de um lado, as possibilidades de circulação, e de outro, graças às formas modernas de difusão das inovações, a informação constitui um dado revolucionário nas relações sociais. Além da pobreza absoluta, cria-se e recria-se incessantemente uma pobreza relativa, que leva a classificar os indivíduos pela sua capacidade de consumir, e pela forma como o fazem”, diz o texto.
E toca a buscar soluções.O aumento de crédito é uma delas, que por sua vez vai possibilitar o aumento de consumo, acelerar o sistema econômico, estabilizar a inflação. Tudo isso, no entanto, no caso dos alimentos, pode levar também ao abuso de processados. Consequência direta? A obesidade.
O documentário “Muito além do peso” trata do fenômeno de forma definitiva. Assistiali a uma das cenas que mais me impactou no cinema. Em meio à Floresta Amazônica, num dos afluentes do Amazonas, um imenso barco de uma grande rede de alimentos aporta e é ansiosamente esperado pelos ribeirinhos, a maioria mães que saem do barco com inúmeros pacotes de pães, bolos, biscoitos e chocolates, sortimento para um mês inteiro. A preços acessíveis, levam para casa, de forma industrializada, tudo o que têm em volta, in natura. A diferença é que os primeiros acrescentam muito sal, muito açúcar, farinha e alguns quilos a mais na balança.
A generalização da ideia do subdesenvolvimento leva a teorias destinadas a combatê-lo, diz Santos. Torna-se então, também generalizada, a preocupação dos governos e das “sociedades nacionais, por meio de suas elites intelectuais e políticas”, que se lançam a buscar saídas para a crise, de preferência que não subverta a ordem e não onere. Encaixa-se perfeitamente aí a ideia de doar alimentos que iriam para o lixo.
“A pobreza atual resulta da convergência de causas que se dão em diversos níveis, existindo como vasos comunicantes e como algo racional... Alcançamos uma espécie de naturalização da pobreza, que seria politicamente produzida pelos atores globais com a colaboração consciente dos governos nacionais. Os pobres não são mais incluídos ou marginais, eles são excluídos. Deixa-se de ser pobre em um lugar para ser pobre em outro. Uma pobreza quase sem remédio, trazida não apenas pela expansão do desemprego, como também pela redução do valor do trabalho”, escreve ele.
Para teóricos do subdesenvolvimento atuais, que viveram década e meia à frente de Santos e por isso já tiveram chance de perceber melhor causas e consequências, é preciso desenvolver localmente as pessoas para que elas possam reduzir a dependência do macro sistema. Sabe-se, porém, que isso não é fácil de conseguir, como bem mostra o conceito do Bem Vive . Portanto, não há solução, há várias. E é bom poder refletir a respeito.