Autora Jeanne Callegari
Não é preciso ser
Gandhi ou Madre Teresa para fazer o bem aos outros. As pequenas doações do dia
a dia contam, e muito, para ajudar o próximo e fazer deste planeta um lugar
melhor.
Todos temos algo para dar. Pode ser dinheiro ou bens materiais, as
associações mais comuns quando pensamos em generosidade. Mas também pode ser
conhecimento, coisas que nós sabemos e que podem ajudar os outros. Pode ser um
abraço, uma palavra de conforto, um carinho. Afinal, a generosidade é, antes de
mais nada, uma inclinação do espírito para fazer o bem. A palavra vem do latim
"generositas", que significa "de origem nobre". Com o
tempo, passou a significar a nobreza não de nascimento, mas de espírito.
É bom fazer uma distinção entre altruísmo e generosidade. Segundo o filósofo e
educador Mario Sergio Cortella, as duas virtudes são boas, mas diferentes. Agir
esperando alguma espécie de retribuição seria altruísmo, representado no lema
"faça aos outros o que querem que façam contigo". A generosidade
seria a prática desinteressada, feita mesmo quando se sabe que não haverá
recompensa, cujo mote é "faça o bem porque é bom fazer". Na prática,
ninguém precisa ficar se gabando porque doou dinheiro para uma entidade
beneficente. Mas não é pecado se sentir bem depois de uma boa ação.
Imagem Google
Virtude celebrada
Se a generosidade se tornou artigo raro, um pouco da culpa é da sociedade
atual, calcada em valores como egoísmo e individualismo. "Pensamos muito
em nosso próprio umbigo e pouco no dos outros", diz Mario Sergio Cortella.
Para ele, isso é ainda mais forte nas classes mais altas. "Na favela, se
desaba um barraco, a vizinha acolhe os filhos da que perdeu a casa, dizendo
'onde comem dez comem 15'. Na classe média, às vezes as pessoas nem sabem o que
fazer com os pais idosos", diz. Isso acontece porque, nas favelas, ainda
impera o espírito de cooperação que guiou nossos antepassados na época das
cavernas. Sem a ajuda do vizinho, não se sobrevive.
Educar para dividir
Um dos mecanismos que a sociedade sempre teve para educar para o bem foram as
religiões. Como sempre foram preocupadas com a moral, as crenças em um poder
superior costumam estimular virtudes como a generosidade, a solidariedade, a
compaixão. "Ninguém nasce generoso", diz o reverendo Alderi Sousa de
Matos, professor de História da Igreja do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação
Andrew Jumper, da Universidade Mackenzie. "É preciso aprender". No
cristianismo, por exemplo, costumam-se contar as histórias de Cristo como
inspiração para os fiéis. Uma das mais conhecidas é a do milagre da
multiplicação de pães e peixes. "O que Cristo fez foi juntar o pouquinho
que cada um tinha e repartir entre todos", diz Cortella. Para o budismo,
exercitar todos os dias virtudes como a generosidade é uma forma de combater os
vícios, como o egoísmo.
Substituto do amor
"Em uma sociedade que pede apenas que você receba, nunca doe, a
generosidade é um treino", diz a terapeuta existencial e professora da
PUCSP Dulce Critelli. Para ela, o primeiro passo para a generosidade é sacar se
somos, individualmente, capazes de oferecer. "O desafio é estar atento às
necessidades da vida em comum, não só às nossas". Para poder ajudar o
outro, o primeiro passo é enxergá-lo, ouvi-lo, perceber suas necessidades.
Uma vez que percebemos, é hora de partir a ação. Porque ser generoso é, antes
de tudo, uma escolha. É diferente, por exemplo, do amor. Quando amamos, seja um
filho, seja um companheiro ou um amigo, somos capazes de grandes sacrifícios.
Sem nem pensar duas vezes, uma mãe passa a noite na cabeceira do filho doente.
Mas, se a criança em questão não for nosso filho, não somos capazes do mesmo
gesto. Comte-Sponville pergunta: se o mendigo na rua fosse alguém que amamos,
recusaríamos a ajuda que ele pede? A generosidade existe, então, como substituto
do amor, para os casos em que não sentimos amor - afinal, não escolhemos
senti-lo. Precisamos aprender a compartilhar com desconhecidos como fazemos com
as pessoas que amamos.