'Fitinhas baianas' de volta à Lavagem do Bonfim

Fonte G1

Até ano passado, símbolo tradicional da devoção era produzido em SP. Dez mil unidades, feitas de maneira manual, serão levadas para festa.A Lavagem do Bonfim de 2014 será o primeiro festejo após a volta da produção na Bahia das fitinhas em devoção ao santo mais famoso do estado. Os integrantes da cooperativa que assumiu a confecção do maior símbolo do Senhor do Bonfim festejam a conquista. "Temos 10 mil fitas para serem comercializadas na Lavagem do Bonfim. Ainda é muito pouco porque nossa equipe ainda não tem a agilidade para produzir", diz Moisés Cafezeiro, coordenador da Cooperativa de Produtores de Artigos Religiosos e Culturais (Cooparc), no bairro da Ribeira.

As novas fitas do Bonfim são brancas, mas as letras podem ser coloridas (Foto: Maiana Belo/G1 Bahia)

A festa tradicional do calendário religioso da Bahia será realizada na quinta-feira (16), em Salvador, e há mais de 20 anos contava apenas com as fitinhas produzidas em São Paulo. Além da conquista de ter as fitinhas genuinamente baianas, a festa que reúne milhares de baianos e turistas na Colina Sagrada, ganha o título de Patrimônio Imaterial Nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Produção das novas fitas do Bonfim (Foto: Maiana Belo/G1 Bahia)

Devoto, este ano Moisés vai cumprir uma promessa. De acordo com ele, o pedido ao Senhor do Bonfim foi para que as fitas voltassem a ser produzidas na Bahia. “Eu prometi que entregaria mil delas no dia da lavagem e assim vou fazer. O povo aqui não diz que se o pedido for atendido vai fazer um caruru de mil quiabos? Então, minha promessa será de mil fitas”, brinca. “Eu mesmo quero entregar e colocar no braço das pessoas”, completa. As outra nove mil unidades serão comercializadas a R$ 1 por integrantes da cooperativa, explica.
A motivação da promessa, segundo ele, foi a “chacota” das pessoas com relação à autenticidade da fita. “Muitos me diziam: essa fita vem da China, só pelo fato dela não ser produzida aqui na Bahia. Isso me incomodava. A promessa foi uma questão de baianidade e devoção ao maior amuleto da Bahia, que era feito em São Paulo”, conta o coordenador da cooperativa.
Segundo Moisés, essa foi a maior promessa que ele fez para o Senhor do Bonfim. “Nunca fiz algo parecido. A promessa é importante, mas a devoção é maior. Jamais deixei de participar dessa festa. Uma vez estava na Espanha e não tinha voo direto para o Brasil, então eu fui para Milão, depois para Natal, peguei um ônibus e segui para Recife. Por fim, peguei um avião para Salvador. Demorei três dias viajando e quando cheguei aqui [Salvador], às 6h, já estava na hora da festa”, conta Moisés em tom de brincadeira.
Produção
As novas fitinhas são apenas brancas, a frase escrita é colorida e possuem 47cm, o que corresponde ao comprimento do braço direito da estátua do Senhor do Bonfim, que fica no altar da igreja. Diferentemente das outras, que eram sintéticas, tinham 38 centímetros e eram feitas em produção industrial em São Paulo, essas são feitas completamente a mão.

Novas fitas brancas do Bonfim com frase escrita em vermelho  (Foto: Maiana Belo/G1 Bahia)

Uma outra diferença é que as fitinhas baianas são mais "frágeis". "Quando você amarra, ela parte. Não dura para sempre. Agora seus desejos podem se tornar realidade", brinca.
O trabalho é manual e feito por nove integrantes da cooperativa, entre eles, Moisés. “Aqui na cooperativa produzimos muitas coisas como velas, santinhos, terço, fitinhas entre outros. Temos 43 integrantes e nove pessoas fazem apenas as fitas. Muitas pessoas que trabalham aqui ficaram desempregadas com a introdução de certas máquinas para realizar o trabalho em outros locais. Então, como aqui o trabalho é manual, perguntei se elas queriam vir pra cá”, conta Moisés.
Para produzir as novas fitas, os integrantes da cooperativa recebem os rolos da fita branca e mandam para o padre benzer. Depois, cortam em 47 cm e colocam uma ao lado da outra. Em seguida, põe o molde vazado com a frase “Lembrança do Senhor do Bonfim da Bahia” em cima das fitas, coloca tinta e limpa.
No período de cinco horas, a cooperativa produz cinco mil fitas do Bonfim, que são vendidas em hotéis, navios e nas ruas de Salvador por R$ 1. “Se ficarmos produzindo o dia inteiro, conseguimos fazer 10 mil fitas”, conta Moisés.
Crença
Segundo Moisés, o pai dele sempre foi devoto do Senhor do Bonfim e passou a mesma herança cultural. “Com quatro anos de idade, eu fiz o percurso do cortejo em cima das costas do meu pai. Ele já fazia as fitinhas do Bonfim, mas só entregava às pessoas no dia da lavagem, lá na igreja [do Bonfim]”, relata.
Com o filho de Moisés não foi diferente. Quando o garoto ainda tinha quatro anos, Moisés o levou para a festa. Ele faz questão de passar essa herança cultural, não apenas para os filhos, mas também para todos que ainda não conhecem as histórias religiosas e culturais da Bahia.
Ainda de acordo com Moisés, a tradição da fita também foi passada pelo pai dele, que pegava o pano de algodão inteiro, pintava com o molde vazado e depois cortava uma por vez. “Essas, sim, são as verdadeiras fitinhas do Bonfim, de algodão. Tenho uma tia que corta isso como ninguém, não deixa um fiozinho saindo”, disse o coordenador sobre a devoção da família ao Senhor do Bonfim.

Novas fitinhas são brancas, menos resistentes e custam R$ 1 (Foto: Ruan Melo/G1)