Violência psicológica

Por Adelma do Socorro Gonçalves PimentelUma maneira tão brutal quanto comum de atingir o autoconceito, a autoimagem e a autoestima do outro, que mina a ética, o diálogo e o respeito do convívio familiar.
A violência psicológica é tão preocupante que requer a abordagem da suposta "naturalização" social cuja incidência pode minar a autonomia, a iniciativa, a coragem, a segurança de crianças e jovens em pleno desenvolvimento emocional e social que precisa de referências éticas de adultos - familiares (pais, e/ ou cuidadores) para estabelecer parâmetros de interações não predatórias e de consumo.

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O descaso com o outro e a prática de "brincadeiras" que rompem a fronteira do lúdico e instalam uma particular ou generalizada sensação de incompetência pessoal a quem escuta apelidos, chacotas, "tiradas de sarro", bem como pressionar alguém (crianças, adolescentes, mulheres, gays, homens) a deslocar a sua emoção saudável para canais inadequados, por exemplo, comer ou beber demais, usar drogas, vivenciar sexo compulsivo (instala transtornos alimentares ou outras formas de compulsão), são consequências da "naturalização" da violência psicológica.
Para responder ao cenário difícil que vivemos, a Psicologia Clínica ampliada de base gestáltica não oferece receitas ou fórmulas. Trabalhamos com pesquisas e preparação de famílias (encontros em grupo de homens/pais, atendimentos a casais; reflexões de textos, orientações sobre organização social e aquisição de documentos, etc.)1 para encontrar tempo (uma exigência diária que o casal requer praticar se quiser manter a convivência) visando examinar profundamente a dinâmica das interações entre os integrantes e contribuir para que cada um entre em contato com os próprios sentimentos. Consideramos que a coragem e ação formam uma polaridade que contribui preventivamente para reduzir a violência psicológica conjugal e familiar...
As formas de violência psicológica privadas aqui tematizada ocorrem no domínio das casas, praticadas entre casais, ou por familiares contra crianças e idosos e por outros atores não consanguíneos. São problemas sociais e de saúde que afetam todos os segmentos da sociedade, independente de sexo, idade, grau de instrução, classe social ou religião, e estão presentes em todas as culturas.
A violência é deliberada como uma relação de força qualificada que aponta a atitude de quem detém o domínio de anular o outro na sua condição de sujeito.
Incidem em diversas esferas econômicas. Sendo assim, o entendimento em sua complexidade requer abordagem interdisciplinar e transversal, o que possibilita ampliar a compreensão e criar estratégias de prevenção e intervenção. Exige, ainda, ato do Estado² na elaboração e concretização de políticas públicas para educação: socializar, fomentar o conhecimento para que todos usufruam dos bens culturais e científicos da humanidade; políticas públicas para a saúde aplicando impostos na construção de postos e unidades básicas de atendimento e na manutenção das já existentes; e políticas públicas para trabalho criando postos e capacitação. Em síntese, a ação do Estado no campo das políticas para educação, saúde e trabalho é preventiva para evitar que as famílias reeditem a instalação das violências privadas.

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O casamento ou a vida conjugal contemporânea são atravessados pela intolerância, e por vários fatores que podem induzir à ação violenta
No entendimento da filósofa Marilena Chaui, a violência é deliberada como uma relação de força qualificada em um polo pela dominação e no outro pela coisificação, que aponta a atitude de quem detém o domínio de anular o outro na sua condição de sujeito, ao (querer³) submetê-lo a sua vontade. Em casais, a dominação masculina pode ser exercida pela opressão física da mulher; e a dominação feminina pode ser praticada pela desqualificação das competências sexual e profissional do homem. Assim, a violência conjugal, também, sucede em todos os níveis socioeconômicos, porém é exacerbada no segmento de baixa renda, na medida em que as dificuldades financeiras, a miséria e as desestruturações familiares favorecem alterações psicológicas, por exemplo: instabilidade no humor, comportamentos agressivos nos indivíduos, espancamento, brigas, etc.
O casamento ou a vida conjugal contemporânea são atravessados pela intolerância, e por vários fatores que podem induzir à ação violenta, por exemplo, falta de respeito, mentira, manipulação, fadiga, irritação mesquinha com qualquer coisa à nossa volta, sobretudo com o outro, e iminência da violência. A incomunicabilidade e o cultivo de sentimentos negativos podem também deflagrar tanto manifestações de violência física quanto psicológica ou ambas, por exemplo, um cônjuge intimidar o outro dando um soco na parede ou no móvel, gritando: "Me deixa em paz". Ou dar uma facada, um tiro; ou xingar: "Sua/ seu cretina(o)".

1 É importante esclarecer que a Psicologia Clínica ampliada tem uma base na fundamentação históricocrítica. Não é possível entender o psiquismo e os processos de subjetivação descontextualizados, portanto nossa compreensão de saúde transcende a perspectiva de sintomas e nosografias para abarcar a premissa da humanização e saúde positiva (WHO, 1978).
2 Federal, estadual e municipal.
3 Não podemos esquecer que, por maior que seja a opressão vivenciada por um sujeito e mais rígidos os instrumentos de dominação, a liberdade é existencial e os pensamentos não podem ser outorgados, portanto nunca haverá uma sujeição linear.

PARA SABER MAIS
Direitos iguais
No ano de 2007 foi realizada a Convenção de Belém do Pará cujo objetivo foi prevenir, punir e erradicar toda forma de violência contra a mulher, no âmbito da Organização dos Estados Americanos. Este documento integra as políticas públicas para atendimento à mulher que vivencia violências privadas. Além dele, outros marcos legais, congressos, convenções internacionais e nacionais, por exemplo, a importante Lei Maria da Penha têm contribuído para eliminar a violência conjugal. Entretanto, uma lacuna que as políticas públicas da área contêm é a exclusão do homem do campo concreto da realização das determinações contidas nos textos legais. Assim, na prática, algumas políticas e ações mantêm-se ancoradas na lógica binária dos estudos de gêneros. O homem não pode ficar à margem da reconstrução das identidades de gênero, muito menos se manter em uma posição omissa, como de alguém que pensa "não é comigo", alienando-se das mudanças mundiais em todos os campos da vida social e psíquica.